Banda trouxe ao festival paulistano o mesmo show executado por aqui em setembro último — e voltou a deixar queixos caídos com performance irretocável

Soa absurdo, mas aconteceu: quando a organização do Best of Blues and Rock anunciou o Deep Purple como uma das atrações para sua 12ª edição, teve quem reclamasse. O argumento principal é: esses caras vêm ao Brasil com frequência. Verdade. Azar de artista que não nos visita. O quinteto inglês reconhece o carinho e interesse do público nacional e até emenda viagens para cá, pois estiveram conosco também em 2023 (como parte do festival Monsters of Rock e eventos relacionados) e 2024 (para tocar no Rock in Rio e em data solo na capital paulista).
O Brasil, diga-se, é o sétimo país que mais contou com shows do Purple. Está atrás apenas de Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, França, Itália e Japão. São mais de 70 apresentações distribuídas em 34 anos, pois a primeira visita ocorreu em 1991. Nosso país tem tanta moral que receberá uma das três únicas apresentações do Purple agendadas para este ano. O motivo? Além de curtir merecidas férias, os veteranos do hard rock trabalham em um novo álbum, com lançamento pensado para 2026.

Sim: estes senhores não querem parar. Quatro dos cinco integrantes têm mais de 75 anos (a exceção é o guitarrista recém-integrado e 100% hard rocker Simon McBride), mas sentem — e sabem — que ainda têm muito a oferecer. Num ritmo de trabalho de dar inveja a qualquer garotão, eles fizeram 65 shows por todo o planeta em 2024. Em média, uma apresentação a cada 5 dias. Considere as longas viagens nesses intervalos junto à idade avançada e fique tão impressionado como eu.
Nada disso, aliás, afeta o espetáculo. Com mais de 55 anos de carreira, o Deep Purple ainda entrega uma performance digna de nota. Fecharam o domingo, 15, quarto e último dia de Best of Blues and Rock, no Parque Ibirapuera, em São Paulo, com um passeio formidável por seus grandes clássicos e por canções que talvez merecessem mais atenção em meio ao público geral.
Para ainda conseguir entregar uma apresentação consistente, claro, alguns membros do quinteto precisaram ajustar suas interpretações. Ian Gillan, que completa 80 anos em agosto, soube encaixar sua voz à realidade atual como raríssimos cantores na história não apenas do rock, mas da música como um todo. Ainda arrisca alguns agudos, mas no geral adequa a interpretação ao que consegue oferecer. Não deixa a desejar em momento algum. Ian Paice, que chega aos 77 no fim deste mês, na maior parte do tempo nem precisa de seguir por atalhos musicais na bateria. Nem parece que, além da idade avançada, sofreu em 2016 um mini-AVC — para contextualização, mesmo problema de saúde que pareceu ter afetado um pouco mais gravemente Nicko McBrain, colega de instrumento do Iron Maiden. Assisti-lo tocar é um privilégio.
Os também septuagenários Roger Glover, baixista, e Don Airey, tecladista, têm menor exigência física, logo, continuam incríveis praticamente sem adaptação. Glover, aliás, confere toda a consistência sonora à máquina roxa. Airey, além de um gigante nas teclas, é o carisma em pessoa: toca sorrindo e faz questão de transformar seus momentos solo em diversão. Toca a intro de “Mr. Crowley” que ele gravou com Ozzy Osbourne, executa “Aquarela do Brasil”, deixa uma nota soando por quase um minuto enquanto coloca cerveja no copo — em vez de vinho na taça, como na apresentação de 2024.
A mudança de bebida é, aliás, uma das duas únicas diferenças do show realizado no ano passado. A outra foi o corte de “Portable Door”, canção do álbum mais recente, =1 (2024), que acabou representado por outras três faixas: “A Bit on the Side”, “Lazy Sod” e “Bleeding Obvious”. Foram, junto da ligeiramente pretensiosa “Uncommon Man” — dedicada ao saudoso tecladista original Jon Lord —, os momentos de menor engajamento do público.

De resto, só acertos. A abertura com “Highway Star” chega a colocar Ian Gillan no limite de sua performance vocal, mas ele se sai bem. Um baita aquecimento antes de executar “Hard Lovin’ Man”, ainda que os berros mais fortes sejam deixados de lado nesta, e “Into the Fire”, aqui, sim, com execução desafiadora e bastante similar à versão gravada 55 anos atrás, no disco In Rock (1970).
Já no miolo do set, o groove característico de “Lazy” e a emotiva “When a Blind Man Cries” prepararam o público para um destaque inusitado: “Anya”, faixa não tão conhecida globalmente de The Battle Rages On… (1993) que desde 2022 virou presença garantida no setlist. No Brasil, a canção virou uma espécie de hit de rádio rock, o que justifica a reação entusiasmada de quem assistia.
A quadra final, separada por uma breve pausa, foi imbatível. A divertida “Space Truckin’” e a clássica “Smoke on the Water”, com direito a silenciar a banda e jogar para a plateia cantar o refrão, encerraram o set regular, enquanto “Hush”, cover de Joe South, e “Black Night”, faixa que se tornou clássica mesmo sem entrar em um disco originalmente, deram contornos finais não apenas à performance irretocável do Deep Purple, como, também, à 12ª edição do Best of Blues and Rock. Que venha a realização de 2026.
Fonte: Rollingstone